Nem México nem Europa ou EUA: a solução brasileira deve considerar o que temos aqui

Sérgio Gomes*

Após conhecermos um pouco de como funciona o processo de renovação de frota em alguns mercados mundiais como Estados Unidos, Europa e México, passamos agora à reflexão sobre alguns aspectos do que temos no país, hoje, em termos de frota de veículos comerciais e necessidade de renovação.

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A frota brasileira de caminhões e sua idade média é algo a ser avaliado mais cuidadosamente, pois nas últimas décadas o perfil do transportador brasileiro mudou substancialmente. Os caminhões que atuavam no chamado transporte regional tiveram sua participação reduzida significativamente ao longo dos anos. São basicamente os veículos desta categoria que ?envelheceram? e que não foram renovados. Ao contrário dos caminhões pesados e semipesados, que triplicaram sua participação e hoje tem 65% do total, com composições maiores e mais pesadas, registrando aumento de volume ao longo do tempo e também renovação.

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Deixamos de ser um país com frota predominantemente de caminhões médios e leves, com grande participação de caminhoneiros autônomos, para nos tornarmos um mercado com  participação majoritária de caminhões pesados e semipesados, pertencentes, principalmente, a empresas de transporte.

Dos  1,2 milhões  de veículos acima de 8 toneladas que compõem a frota total, 60% – cerca de 730 mil veículos – são de caminhões predominantemente médios, dos quais os autônomos detém dois terços. Inversamente, dos  480 mil caminhões cavalos mecânicos, dois terços estão nas mãos de empresas de transporte.  A média  por transportador autônomo é de 1,2 veículos, enquanto nas empresas é de 7,3 unidades. Na mesma linha, a idade média é superior a 20 anos nos autônomos e nas empresas  é de pouco acima de 7 anos, embora muitas transportadoras comecem a trabalhar com a renovação em períodos mais curtos (1).

O ingresso de 150 mil caminhões novos a cada ano, ?empurra? os mais velhos e de menor capacidade para atividades secundárias, como movimentação de reboques e contêineres em portos e pátios, transporte em curtas distâncias ou em ambientes confinados, como canteiros de obras e tarefas de apoio, ou seja, com uma relevância menor em participação. Estima-se que a frota dos caminhões mais novos esteja em cerca de 900 mil unidades.

Ora, então um programa de renovação de frota tem que começar pela eliminação dos caminhões de idade avançada, que são de propriedade dos autônomos.

Com essa transformação do perfil da frota brasileira, o transportador autônomo  nem sempre consegue trocar o caminhão usado por outro novo ou um pouco mais novo. O financiamento pode ser outra barreira.

Assim, o destino mais provável é o sucateamento desses veículos, estabelecendo regras e condições para que esses caminhões muito antigos sejam absorvidos. No caso das transportadoras, a modalidade de financiamento FINAME através do BNDES é largamente utilizada, ultrapassando os 90% de participação, superando de longe as outras
modalidades pelas suas taxas de juros bastante competitivas.

Outro impacto extremamente importante com a renovação através do sucateamento é a contribuição ao meio ambiente. Em termos de eficácia e resultado, estimular essa renovação de frota  apresentará resultados extremamente positivos e mais rápidos do que adotar normas de emissões mais rigorosas para os veículos novos.

Um veículo antigo polui muitas vezes mais do que um veículo novo, Proconve 7, que por sua vez não tem o mesmo ganho quando comparado com o nível seguinte.  Para se ter uma idéia, citando dois componentes importantes, um caminhão novo emite 98% a menos de  PM (materiais particulados) ou 90% a menos de NOx  comparado com um caminhão de 12 anos atrás.

Isto quer tão somente significar que, entre desenvolver e implementar um programa eficaz de renovação de frota no Brasil e partir para introduzir a etapa seguinte da lei de regulação de emissões, entendemos que a primeira opção é, de longe, a prioridade.

O mesmo raciocínio vale para a segurança no trânsito, onde os custos relativos a acidentes são estimados em R$ 60 bilhões por ano. Os veículos muito velhos apresentam ser  mais perigosos não apenas pelo desgaste natural  mas também por não possuir os mesmos recursos e tecnologia de segurança encontrados nos  novos, onde é possível incorporar a segurança ativa, além dos recursos já conhecidos de segurança passiva.

Ainda, sabendo que nem todos autônomos estarão em condições de trocar os seus veículos, aí está outra oportunidade. Porque não aproveitar esses profissionais em empresas de transporte, onde a carência dessa mão de obra está cada vez mais presente. Uma reciclagem para atualização em novas tecnologias talvez seja  suficiente. O investimento em treinamento abatida como benefício fiscal ou de treinamento equilibra a conta numa tática ganha-ganha.

Se for possível resolver a etapa inicial de um programa, de fato buscando a renovação, eliminando os caminhões mais antigos, todos os demais elos da cadeia vão se encaixar adequadamente. É importante assegurar que os veículos mais velhos sejam tirados de circulação e destruídos, desmontados, reciclados.

É igualmente importante observar os resultados dos programas estaduais de renovação de frota existentes hoje no país. Alguns já existem há alguns anos, e podem render um excelente aprendizado. As experiências positivas de outros países podem ser consideradas.

Seja qual for a solução adotada aqui, é preciso estabelecer metas e um sistema de monitoramento e ajustes, garantindo a sua continuidade.

Sabemos que este assunto não é novo, vem sendo discutido há algum tempo, mas tem ?patinado? e não chega a um final. Parece então extremamente oportuno repensar no assunto
para uma solução conjunta, em um trabalho bem coordenado com a participação das entidades envolvidas e o governo federal.

Um programa de renovação de frota para nosso país deve contemplar o envolvimento de todos os setores pertinentes para  formar uma ?cadeia de renovação?.

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* Sérgio Gomes, ex-diretor de estratégia do Grupo Volvo na América Latina, é especialista em Estratégia e Negócios e sócio diretor da Sérgio Gomes Consulting.

(1) Fonte: Agencia Nacional de Transportes Terrestres  – ANTT