Dia 20 de maio de 1995, Bar Opinião, Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Thiago Gonzaga, filho de Régis e Diza Gonzaga e que na época tinha 18 anos, perdeu a vida ao voltar de uma festa realizada naquele local. O carro em que ele estava como carona chocou-se contra um contêiner colocado irregularmente numa Avenida de Porto Alegre. Apesar do sofrimento, o casal reuniu forças para criar a Fundação Thiago de Moraes Gonzaga, inaugurada um ano após o acidente. Nestes 20 anos, a Fundaçãose dedicou em alertar a sociedade, principalmente os jovens, sobre os perigos do trânsito. O Programa Volvo de Segurança no Trânsito (PVST) entrevistou Diza, a fundadora da instituição, para saber mais a respeito dos projetos que a ONG realiza e da importância deles na transformação do comportamento das pessoas no trânsito brasileiro.

PVST – Como foi a decisão de transformar a tristeza e o sofrimento na força que impulsionou a criação de uma fundação para prevenir os acidentes de trânsito?

Diza– Foi naquela madrugada em que fui, infelizmente, buscar meu filho no asfalto. Eu dizia: “vida urgente”, “vida urgente”. Naquela noite eu pensava que a morte do Thiago não podia ser mais uma. Eu pensava que tinha que fazer alguma coisa para que outros pais não passassem por aquela dor e outros jovens cheios de sonhos, como o meu filho, não perdessem a vida. E, naquele dia, eu iniciei essa caminhada.

PVST – Como foram os primeiros passos da Fundação?

Diza – Logo nos primeiros dias eu comecei a pesquisar sobre acidentes de trânsito. Achei uma publicação do Geipot, órgão do Ministério dos Transportes, que trazia estatísticas de mortes no trânsito. O documento dizia: principal causa de morte de jovens do sexo masculino no Brasil – trânsito; os acidentes ocorriam a menos de 30 km de casa, nas madrugadas, nos finais de semana e vésperas de feriados. Exatamente o que ocorreu com meu filho. A morte dele estava anunciada lá, só não dizia o nome e o sobrenome dele. Então iniciei uma busca sobre as ações relacionadas ao trânsito e tive uma decepção. Havia poucas informações sobre trânsito e elas eram divulgadas somente na Semana Nacional do Trânsito ou nas vésperas de feriados, como se trânsito não fosse vivenciado todos os dias. Foi aí que percebi que a minha missão era falar para as pessoas sobre a importância de preservar a vida, tratando o trânsito de uma maneira simples e constante.

PVST – Quais foram os principais projetos da Fundação?

Diza –A primeira ação foi a Madrugada Viva, na época em que não tinha lei seca e nem bafômetro. Nós saíamos na madrugada com cerca de 50 jovens para ir até os bares de Porto Alegre com bafômetro na mão e borboleta no peito, símbolo da Fundação. A gente falava para as pessoas que elas tinham que se divertir, mas tinham que voltar para a casa. Alertávamos que a combinação de bebida e direção era uma dupla de morte. Que a gente não perde só a timidez quando bebe, perde os reflexos, a percepção de distância, que são importantíssimos na condução de um veículo. Na época, em 1996, a frase mais ouvida era: “Eu até dirijo melhor quando bebo”.Nestas abordagens, nóssempre nos preocupamos em falar a linguagem dos jovens, sem usar o tom moralista. Nosso bafômetro não era punitivo, além disso, era uma novidade na época. Formava fila para fazer o bafômetro.

PVST – Que outras ações vocês realizaram?

Fizemos um abaixo-assinado, solicitando a proibição do consumo de álcool para quem conduz veículos e a aprovação do novo Código de Trânsito, que estava parado no Senado há muitos anos.Também contribuímos com a aprovação da Lei Seca por meio da entrega de mais de 100 mil assinaturaspara o ministro da época, pedindo a proibição do consumo de álcool pelos motoristas.

Entre as ações de prevenção de acidentes, criamos o projeto chamado Vida Urgente no Palco, comquatro os espetáculos teatrais direcionados para públicos com faixas etárias diferentes e um filme de animação. Temos o Buzoom, que oferece carona segura no final de grandes eventos para os jovens que beberam. Na comemoração dos 20 anos da Fundação, nós inovamos na carona. Os condutores eram pais.Mas um pai que havia perdido um filho no trânsito. Durante o verão, realizamos a açãoSalva-Vida Urgente nas principais praias, onde é feito um arrastão da vida,no qual os voluntários abordam os veranistas sobre os comportamentos seguros no trânsito. Outra ação é o Vida Urgente InConcert, evento que reúne bandas gaúchas e nacionais, que falam para os seus fãs na linguagem da gurizada. Temos também a Expo Vida Urgente, exposições que percorrem o Brasil com vários temas.

Além dos projetos de prevenção, também desenvolvemos ações pensando em apoiar as famílias das vítimas do trânsito, comoo Vida Urgente Cidadã, que conta com a atuação de psicólogos. Temos um coral de pais que perderam filhos e transformamos a Praça da Juventude Thiago Gonzaga num memorial em homenagem às vítimas do trânsito. A cada ano, inauguramos um novo painel com 30 nomes de jovens que perderam a vida no trânsito. Já estamos na 10ª placa.

Em todos esses projetos, estão envolvidos mais de 20 mil voluntários, nos 27 estados brasileiros. A grande maioria é composta de jovens de 15 a 23 anos das mais diversas áreas, como os psicólogos, agências de publicidade, produtoras, atores, etc.

PVST – Quais projetos foram premiados pelo Programa Volvo de Segurança no Trânsito?

Nós ganhamos cinco prêmios Volvo, que eu considero o Oscar do Trânsito. O primeiro foiuma menção honrosa, em 1996. Em 2000, ganhamos na Categoria Geral com o trabalho Educação para Mudar Cultura e Evitar Tragédia.  Em 2004, ganhamos na Categoria Geral com o Buzoom, que é a carona segura.Em 2008, ganhamos na Categoria Região Sul, com o Programa Transportadora da Vida, desenvolvido em parceria com o Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística do RS (SETCERGS), que é um projeto de certificação de mudança de comportamento nas transportadoras do Rio Grande do Sul. E, em 2010, ganhamos na Categoria Geral Nacional com a implantação do Programa Vida Urgente, no Espírito Santo.

Quando eu inscrevi a Fundação em 1996, eu queria levarnosso trabalho para mais pessoas. Nas outras premiações, tivemos a oportunidade de viajar para a Suécia e conhecer a Visão Zero. Para nósa Volvo é uma companheira, uma referência que nos ajuda nessa caminhada.

PVST -Quais são os principais resultados de 20 anos de projeto?

Diza– Salvar vidas. Nosso trabalho existe para mudar comportamentos. Nós não trabalhamos na fiscalização nem na punição. Isso é papel da polícia, do governo. Já conseguimos muitas mudanças. Hoje, aqui no Rio Grande do Sul, as pessoas saem para festejar na mesa do bar e a pessoa responsável por dirigirfaz o bafômetro e zera no resultado. Quando começamos, o motorista era quem tinha o teor de álcool mais altono sangue e achava isso bonito. A nossa atuação ajudou a promover essa mudança. Quando ninguém falava “se beber não dirija”, “pegue carona com alguém de cara limpa”, “amigo de verdade não deixa amigo dirigir depois de beber”, nós fazíamos isso. Agora parece óbvio, mas há 20 anos sair com bafômetro na mão nas madrugadas era inédito.

Tivemos importante contribuição na implantação da Lei Seca, que eu chamo de Lei da Vida, porque nos primeiros 40 dias foi capaz de reduzir em quase 50% o número de internações nos principais pronto socorros e pronto-atendimentos. Isso são vidas poupadas. A Fundação tem ajudado a salvar muitos “Thiagos”. Se um jovem deixou de morrer, eu sempre penso que poderia ser o Thiago.

PVST – Nestes 20 anos, você acha que o Brasil evoluiunas ações para minimizar os acidentes de trânsito?

Diza –Não posso negar que o Novo Código de Trânsito foi muito positivo, porém nosso governo ainda não trataa questão do trânsito com seriedade.Não há investimentos em uma cultura de segurança. Há campanhas pontuais, que não mudamo comportamento de risco e faz com que o nosso trânsito seja considerado um dos piores do mundo. Em minha opinião, o Brasil evoluiu muito pouco. Nossas estatísticas não mostram a realidade, é considerado morto no trânsito quem morre como o meu filho, lá no asfalto. Quem sai com vida, mas morre meses depois não entra nessa conta. Os números trágicos do trânsito são muito maiores. A gente não tem muito a festejar.

PVST -Como você vê o papel da Fundação e de outras ONGs no trabalho de mudar essa realidade?

Diza – Eu acho muito importante, só que ainda são poucas as iniciativas eficientes. Criamos uma Aliança Brasileira de Organizações da Sociedade Civil pela Vida no Trânsito (Abrot), massó temos 13 membros no Brasil. Um dos trabalhosda Fundação Thiago Gonzaga é multiplicar a nossa experiência para outras que estão começando. A Organização Mundial de Saúde coloca o trânsito como prioridade, como uma doença motorizada. E o Brasil ainda não acordou para isso, infelizmente.

PVST –Ao completar 20 anos de Fundação, qual é o sentimento que vem a tona?

Diza – O meu sonho é fechar a Fundação.Eu queria que os crimes de trânsito, que são cometidos por pessoas embriagadas em alta velocidade, não acontecessem mais. Mas isso não vai acontecer tão cedo, entãovem o sentimento de continuar a caminhada, profissionalizando cada vez mais a Fundação para que ela tenha sustentabilidade. Eu já tive oportunidade de representar o país em vários encontros a convite da Organização Mundial de Saúde e da própria ONU. Nestas ocasiõesvemos que o nosso trabalho não fica para trás, pelo contrário, é admirado por outros países. Então temos que continuar.